quarta-feira, 29 de maio de 2013

Silere, tacere

Ele pode ser misterioso, perturbador, doloroso, estranho ou desesperador. Pode causar dúvidas, declarar certezas, desconstruir mentiras, evitar esclarecimentos. Tem o poder de unir em cumplicidade; ou abrir fendas, abismos, na percepção do desencontro. Por vezes, comunica, mas também pode ser a completa falta de assunto. É recurso da sedução — e também um sintoma do rompimento. Usado em momentos de medo, de concentração ou de vigília. Sinal de serenidade, assim como de transtorno ou choque. Acontece no pensar e também no esvaziar da mente. Pode ser autoritário ou complacente; até mesmo solidário. Guarda mágoas e tristezas, acumula sorrisos e pequenas alegrias secretas. Tortura, bem como acalma. Ora é leve, ora é pesado. Salva das palavras indesejadas ou desnecessárias e priva das declarações mais bonitas. Concilia, assim como isola. Tem as melhores intenções, mas pode ser completamente destrutivo.

O silêncio. De quanto silêncio a gente precisa?

quarta-feira, 3 de abril de 2013

Imposições

Era uma segunda-feira fria e chuvosa. Ela gastou um bom tempo na cama depois que o relógio despertara, tentando se livrar da preguiça e dos pensamentos negativos. Depois levantou, tomou um banho quente e demorado, escolheu a roupa calmamente, arrumou o cabelo sem pressa, foi organizando as coisas vagarosamente, como se tivesse o dia todo livre pela frente. Era isto que queria, era isto que seu corpo precisava e que sua mente exigia: um dia inteiro de inércia.
Enquanto caminhava até a cozinha, pensou como a vida é uma sequência de acontecimentos impostos, seja por algo desconhecido (que alguns chamam de acaso, outros de destino) ou por pessoas. Ela não acordava todos os dias naquele horário por vontade própria, mas porque ficou estabelecido que o ser humano tem de ser produtivo entre 8h e 18h. Ela não escolhia aquela roupa por ser a mais confortável, mas sim porque era a opção mais agradável dentro do que se definiu como "roupa de trabalhar". Ela não saía de casa porque queria ver a rua, as pessoas; saía porque era obrigada, porque tinha compromissos, porque tinha horários, porque tinha regras, porque tinha que ser assim.
"E por que tem que ser assim sempre?", perguntou-se enquanto colocava o leite na caneca. "Por que sou obrigada a ignorar minhas vontades diárias? Por que sou obrigada a sair da minha cama num dia em que queria fazer dela meu esconderijo, meu único refúgio possível? Por que preciso me forçar, todos os dias, a acordar num horário com o qual meu corpo não se ajusta? Por que preciso fazer as coisas num período pré-determinado que ignora meu ritmo e minhas particularidades? Por que não posso decidir como administrar meu tempo e meus afazeres? Por que tenho que me sujeitar a um padrão que não me representa? Por que tenho que me encaixar numa fôrma que ora é pequena demais para os meus anseios, ora é grande demais para os meus receios?"
Desanimada, olhou a chuva pela janela. Pensou em fugir, desistir de tudo, mesmo que passasse por louca. Aí se lembrou que tinha contas demais a pagar, satisfações demais para dar, gente demais para julgar. Neste mundo, sequer desistir é uma opção.

terça-feira, 5 de fevereiro de 2013

5/02

Hoje, 5 de fevereiro, meu pai faria 57 anos. Faria. 
Acho essa coisa de comemorar aniversário de gente que já se foi (oi, eufemismos) estranha, senão mórbida. Essa é a data pra lembrar que vc passou por mais um ano - ou comemorar o novo que chega, se dentro de vc houver mais otimismo que agradecimento. Então, não, não gosto de pensar que hoje seria aniversário dele, porque isso implica em relembrar o que não tenho. Quer dizer, o que ele não pôde ter.
Passados esses quase 3 anos, ainda que a falta, a saudade e o pesar permaneçam aqui (e sempre permanecerão), aprendi a conviver com a ausência. Principalmente porque ela foi acalentadora para um sofrimento desnecessário.
Apesar disso, sempre imagino como seria a vida dele, as nossas vidas sem aquele diagnóstico. Imagino os conselhos, as broncas (certamente seriam muitas, porque sempre foram. haha), as viagens, as piadas, os abraços e os tantos aniversários que poderiam ter acontecido se a sua previsão de viver 106 anos tivesse se concretizado.
Mas ele se mandou antes, aquele tratante! :P Então, fugindo de qualquer apego pesaroso, não pensarei em 5 de fevereiro como "o aniversário que não mais haverá". 5 de fevereiro será sempre uma data em que, algum dia, o mundo ganhou um pouco de amor, honestidade, compaixão e força.

quinta-feira, 31 de janeiro de 2013

Acaso

Laura conheceu Adriano por um amigo e os dois se deram bem logo de cara. Foi tudo tão natural que, quando ela se deu conta, estavam os dois abraçados olhando a vista no jardim do Centro Cultural, fazendo planos. Semanas depois, Adriano foi transferido de país pela empresa. Outro continente, outra vida, outro rompimento... Outra dor.
Depois da separação forçada, sozinha em seu país - ou nos lugares preferidos de ambos - e sem ter com o que preencher as horas vagas, começou a observar os desencontros e descompassos amorosos daquela cidade enorme. Andava pela rua reparando em trocas de olhares, cumprimentos de recém conhecidos, beijos dos mais apaixonados, discussões dos casais em crise, cenas de ciúme, despedidas em aeroportos, perdas e rompimentos (dolorosos, violentos ou amigáveis).
Em seu papel de espiã do destino, presenciou Alice esbarrando no cara que poderia ser o amor da sua vida na faixa de pedestre, atravessando apressada o farol que se fechava. Mas eles estavam atrasados e nunca mais se encontraram. Observou Tiago e Ricardo de costas um para o outro no corredor do supermercado; a mesma música tocando nos fones de ouvido de cada um deles, o mesmo jeito de ler o rótulo das embalagens, a mesma olhadinha discreta para o homem alto que passava de mãos dadas com a esposa. Notou as afinidades e o interesse mútuo (disfarçados de curtidas no facebook) de Eduardo e Heloísa, que - mesmo feitos um para o outro - jamais trocaram uma palavra por vergonha. Em outra ocasião, viu Júlio perplexo e ligeiramente apaixonado diante da inteligência e beleza da Marina, que casou-se com outro no dia seguinte. E Gabriela, que esperava a visita do cara com quem tivera uma noite de sexo deliciosa numa viagem a Búzios. Ele, o Bruno, vinha de carro do Rio, ansioso por revê-la, quando cochilou por exatos 4 segundos já na chegada da cidade, atravessou a pista e bateu de frente com um caminhão, sem restar tempo para o resgate.
Percebendo tantos encontros desencontrados, decidiu se mudar para Borá, um município do interior com 805 habitantes. Ali, não teria o Adriano, mas ao menos as chances de perder o homem da sua vida (por uma sequência de acontecimentos desfavoráveis ou por um destino ligeiramente cruel) seria absurdamente minimizada. Afinal, em São Paulo, o que é pra ser, acaba não sendo.