quinta-feira, 31 de janeiro de 2013

Acaso

Laura conheceu Adriano por um amigo e os dois se deram bem logo de cara. Foi tudo tão natural que, quando ela se deu conta, estavam os dois abraçados olhando a vista no jardim do Centro Cultural, fazendo planos. Semanas depois, Adriano foi transferido de país pela empresa. Outro continente, outra vida, outro rompimento... Outra dor.
Depois da separação forçada, sozinha em seu país - ou nos lugares preferidos de ambos - e sem ter com o que preencher as horas vagas, começou a observar os desencontros e descompassos amorosos daquela cidade enorme. Andava pela rua reparando em trocas de olhares, cumprimentos de recém conhecidos, beijos dos mais apaixonados, discussões dos casais em crise, cenas de ciúme, despedidas em aeroportos, perdas e rompimentos (dolorosos, violentos ou amigáveis).
Em seu papel de espiã do destino, presenciou Alice esbarrando no cara que poderia ser o amor da sua vida na faixa de pedestre, atravessando apressada o farol que se fechava. Mas eles estavam atrasados e nunca mais se encontraram. Observou Tiago e Ricardo de costas um para o outro no corredor do supermercado; a mesma música tocando nos fones de ouvido de cada um deles, o mesmo jeito de ler o rótulo das embalagens, a mesma olhadinha discreta para o homem alto que passava de mãos dadas com a esposa. Notou as afinidades e o interesse mútuo (disfarçados de curtidas no facebook) de Eduardo e Heloísa, que - mesmo feitos um para o outro - jamais trocaram uma palavra por vergonha. Em outra ocasião, viu Júlio perplexo e ligeiramente apaixonado diante da inteligência e beleza da Marina, que casou-se com outro no dia seguinte. E Gabriela, que esperava a visita do cara com quem tivera uma noite de sexo deliciosa numa viagem a Búzios. Ele, o Bruno, vinha de carro do Rio, ansioso por revê-la, quando cochilou por exatos 4 segundos já na chegada da cidade, atravessou a pista e bateu de frente com um caminhão, sem restar tempo para o resgate.
Percebendo tantos encontros desencontrados, decidiu se mudar para Borá, um município do interior com 805 habitantes. Ali, não teria o Adriano, mas ao menos as chances de perder o homem da sua vida (por uma sequência de acontecimentos desfavoráveis ou por um destino ligeiramente cruel) seria absurdamente minimizada. Afinal, em São Paulo, o que é pra ser, acaba não sendo.

5 comentários:

Bruno Portella disse...

Adorei a ideia central. Esse jogo de observação (os rapazes que escutam a mesma música nos fones é sensacional).

Gosto do fato da personagem principal ser um pouco fatalista, até meio fraca talvez. Cansa um pouco tanta gente metido a herói.

Milla disse...

Essas palavras tão São Paulo <3

Toad - Matheus H. disse...

Lindo texto. Melancólico e quase desanimado, e é fácil entender o tom, vindo da personagem proposta. Sou apaixonado, você me conhece, e confesso que já senti essa vontade de elimianar problemas. Só que essas atitudes também eliminam soluções.
Ótimo texto.

Anônimo disse...

Adorei! :-)

dorita disse...

me lembrei daquele filme, acho que é "por acaso", coincidentemente, o nome. Não existe espaço para o destino na metrópole né? hahaha É uma pena que seja tão vazio de fé, mas é muito verdade!