sábado, 28 de abril de 2012

Na cama

Envolta em lençol e suor, ela sentia-se leve com o peso do outro corpo. Era como uma dança que, embora improvisada, parecia exaustivamente ensaiada. Um balé de mãos, bocas, braços e pernas, de movimentos ora suaves, ora deliciosamente bruscos, ou brutos.
Ela sentia arrepios, calafrios, tonturas, delírios - êxtase. Em cada uma das sensações, via-se perdida. Perdia-se do próprio corpo, ainda que sentisse cada terminação nervosa, ainda que apenas o vento suave do cômodo se transformasse em furacão ao tocar a sua pele. Perdia a compostura, a sanidade e a noção do tempo. E a vida lá fora perdia aquela mulher, que era agora tão e somente de um homem.

Deitada naquele lençol tão cheio de odores e fluidos, ela notou o quanto era infeliz, num misto de auto-piedade e comodismo. Porque ela já tinha tentado tanto, lutado tanto e acabara por cair na mediocridade da sobrevivência a todo custo. Quem há de julgar, ponderava, quando se tem o estômago e a mente vazios, de fome, abandono e tristeza?
Pensava em toda a sua vida e em todas as suas desgraças apenas para não lembrar onde estava. Ali, vendendo seu corpo, vendendo um falso prazer. Nos lapsos de realidade que surgiam, enojava-se com aqueles movimentos, que pareciam tão animalescos, e com aquele homem entorpecido, uma visão grotesca de um ser humano tomado por desejos incontroláveis.
A ponto de vomitar, fechava os olhos e tentava voltar à análise de seu infortúnio absoluto. Preferia chocar-se com a mediocridade de sua existência do que com a repugnância de sua prostituição.

Dois quartos, duas mulheres. E quantas outras existem por aí?

domingo, 15 de abril de 2012

Bilhete

"Falo em 'não criar expectativas' ao mesmo tempo em que já idealizo toda uma versão de vc, tão parecida comigo. Porque, aparentemente, gostamos das mesmas músicas, dos mesmos livros, dos mesmos lugares da cidade. E vc usa crase, vírgulas bem posicionadas e constrói frases ortograficamente belas. Tem um senso de humor atraente e uma barba charmosa.
Então, me sinto uma criança. Uma menina tola de 14 anos, encantada pelo cara que pouco conhece. Queria ter a coragem que tanto me exigem por aí. Convidá-lo pra mais um passeio, pra um cinema, pra minha vida.
Será que há reciprocidade? Será que vc aceitaria? :)"

Escreveu tudo isso num papel amassado. Colou na parede e esperou pelo futuro, porque talvez aquilo fosse uma lembrança útil caso tudo se tornasse real.