sexta-feira, 31 de agosto de 2012

Pá!

"A interpretação da nossa realidade a partir de esquemas alheios só contribui para tornar-nos cada vez mais desconhecidos, cada vez menos livres, cada vez mais solitários."

Eis o momento em que um trecho de discurso do Gabriel García Marquez sobre a América Latina e sua luta por igualdade te servem muito mais de conselho sobre si mesma do que uma sessão de terapia.

sábado, 30 de junho de 2012

Declaro aqui, oficialmente, a minha completa inaptidão nessa vida de solteira.
Porque eu não sei entender sinais. Não sei mandar sinais. Não tenho autoestima suficiente pra conquistar alguém. Não tenho simpatia pra conhecer pessoas novas. Não sei transformar uma conversa, um reply ou uma troca de olhares em algo mais. Aliás, fico com vergonha quando acho que houve realmente uma troca de olhares, assim tão cheia de reciprocidade.
Nunca acho que o cara tá afim de mim, só se ele for muito explícito e/ou direto. Mesmo assim, vou desconfiar: "será que ele tá me trollando ou eu que tô viajando?" Não consigo tomar atitude, nasci receosa e nada impulsiva. Sequer o álcool ajuda. Então...
Desisto.


(Esse texto tá um lixo, eu sei. Mas não é texto, é desabafo, então sinto muito. Mesmo que eu me arrependa de ter publicado, vai ficar assim mesmo)

terça-feira, 15 de maio de 2012

Rumo

Quando você acorda e tudo demora a fazer sentido, talvez não seja apenas sono. Há um pouco da própria confusão no despertar, porque começar um novo dia é reafirmar quem se é. O problema, porém, surge quando não se sabe quem acorda, quem é o corpo ainda lento e preguiçoso. Ou quando aquilo não é o melhor, mas apenas um rascunho que muito desagrada.
Na maior parte das vezes, a inércia vence e, ainda que se saia da cama, não há ânimo ou vida, apenas uma sucessão de movimentos repetitivos, sorrisos mecânicos, olhares dispersos. E há uma mente que sempre imagina como seria se tudo fosse diferente - ou se ela mesma fosse o oposto daquilo que tem a oferecer ao mundo e ao restante do corpo.
Nessas condições, o tempo passa despercebido, até que, num dia frio e chuvoso, uma caminhada revela segredos e delícias escondidas dentro daquela mente decepcionada consigo mesma. E ela vê, no reflexo proporcionado pelas poças d'água da calçada, muito de si que perdeu-se em algum momento, em algum lugar. No meio dos anônimos que transitam por ali, encontra fragmentos, versões e ideias que pertencem a ela, mas que jamais foram descobertas.
Assim, como disse Florbela Espanca, "que me saiba perder... pra me encontrar", e para sobreviver.

quarta-feira, 9 de maio de 2012

Parágrafo

"(...) Amanhã, pai, você pode querer matar alguém, e isso você nunca vai fazer porque é uma encrenca danada matar alguém, mas se a idéia não sai da cabeça, você começa a pensar em algo que não te incrimine, um crime perfeito, como costumam dizer, então, o que te diz que você não vai planejar o crime perfeito?, ficar só na vontade não sufoca?, quantas vontades dão certo?, quais você controla e quais você deixa escapar?, quem me diz que aquilo eu não posso fazer, pai? Tudo bem, leis, regras, nos deram algumas tarefas, exercícios, mas temos o direito de recusar. Eu não sei o que é ser feliz. Fazer o que me mandam, o que me ensinam, ou seguir a minha vontade? Eu estou infeliz e não consigo entender por quê. Parece que ajuda falar mas não alivia."

Trecho de Não és tu, Brasil, de Marcelo Rubens Paiva.

Porque isso é uma das coisas que eu amo nos livros: há sempre um pedaço de você ali, nem que seja num parágrafo perdido entre tantos outros.

sábado, 28 de abril de 2012

Na cama

Envolta em lençol e suor, ela sentia-se leve com o peso do outro corpo. Era como uma dança que, embora improvisada, parecia exaustivamente ensaiada. Um balé de mãos, bocas, braços e pernas, de movimentos ora suaves, ora deliciosamente bruscos, ou brutos.
Ela sentia arrepios, calafrios, tonturas, delírios - êxtase. Em cada uma das sensações, via-se perdida. Perdia-se do próprio corpo, ainda que sentisse cada terminação nervosa, ainda que apenas o vento suave do cômodo se transformasse em furacão ao tocar a sua pele. Perdia a compostura, a sanidade e a noção do tempo. E a vida lá fora perdia aquela mulher, que era agora tão e somente de um homem.

Deitada naquele lençol tão cheio de odores e fluidos, ela notou o quanto era infeliz, num misto de auto-piedade e comodismo. Porque ela já tinha tentado tanto, lutado tanto e acabara por cair na mediocridade da sobrevivência a todo custo. Quem há de julgar, ponderava, quando se tem o estômago e a mente vazios, de fome, abandono e tristeza?
Pensava em toda a sua vida e em todas as suas desgraças apenas para não lembrar onde estava. Ali, vendendo seu corpo, vendendo um falso prazer. Nos lapsos de realidade que surgiam, enojava-se com aqueles movimentos, que pareciam tão animalescos, e com aquele homem entorpecido, uma visão grotesca de um ser humano tomado por desejos incontroláveis.
A ponto de vomitar, fechava os olhos e tentava voltar à análise de seu infortúnio absoluto. Preferia chocar-se com a mediocridade de sua existência do que com a repugnância de sua prostituição.

Dois quartos, duas mulheres. E quantas outras existem por aí?

domingo, 15 de abril de 2012

Bilhete

"Falo em 'não criar expectativas' ao mesmo tempo em que já idealizo toda uma versão de vc, tão parecida comigo. Porque, aparentemente, gostamos das mesmas músicas, dos mesmos livros, dos mesmos lugares da cidade. E vc usa crase, vírgulas bem posicionadas e constrói frases ortograficamente belas. Tem um senso de humor atraente e uma barba charmosa.
Então, me sinto uma criança. Uma menina tola de 14 anos, encantada pelo cara que pouco conhece. Queria ter a coragem que tanto me exigem por aí. Convidá-lo pra mais um passeio, pra um cinema, pra minha vida.
Será que há reciprocidade? Será que vc aceitaria? :)"

Escreveu tudo isso num papel amassado. Colou na parede e esperou pelo futuro, porque talvez aquilo fosse uma lembrança útil caso tudo se tornasse real.

quarta-feira, 28 de março de 2012

Uma das coisas que odeio na minha falta de memória é não conseguir recordar dos abraços do meu pai com tamanha intensidade a ponto de praticamente senti-los mais uma vez.

E, hoje, é um daqueles dias em que a saudade resolve ser grande.

segunda-feira, 19 de março de 2012

Classificados

O velho fitou a moça à sua frente, incrédulo.
- Você não pode anunciar isso, menina!
Ela ajeitou a bolsa no colo, incomodada. Detestava negativas autoritárias.
- Como não?!
- A senhorita está maluca ou acordou querendo fazer alguém de idiota? Pois saiba que meu tempo é dinheiro, menina! Toma essa droga de papel e saia da minha sala antes que eu me aborreça.
- Que absurdo, seu grosseiro! - dedo em riste, mas ainda sentada. Viera com uma intenção e não sairia de lá até conseguir o que queria.
- E a senhorita quer que eu fale como?
- Comece não usando esse "senhorita" cheio de ironia! Sou, antes de qualquer coisa, uma cliente. Não é assim que o senhor trata os seus clientes, espero.
- Meus clientes não trazem esse tipo de anúncio estúpido.
- Estúpido?! O que tem de estúpido nele?
O velho a fitou por um instante, com os olhos arregalados, o bigode ouriçado e as orelhas vermelhas. Então, percebendo que ela falava sério e perdendo a pouca fé que ainda tinha na humanidade, apoiou o cotovelo na mesa e a palma da mão no rosto, balançando a cabeça em negativa. "Por que diabos essas coisas acontecem comigo, santo deus?!", pensou.
Ergueu os olhos novamente em direção àquela mocinha que à primeira vista lhe parecera tão simpática.
- Olha, minha querida, entendi. Você tá falando sério e eu acho tudo isso muito bonitinho. Essa coisa de jovem e tudo mais. Mas veja bem, menina... O que eu faço é uma coisa séria e...
- Mas isso também é sério, caramba! O que foi? O senhor acha que eu não vou pagar? Eu vou, fique tranquilo! - e mostrou a carteira cheia de notas amassadas.
- Não é essa a questão. O problema é que isso que vc quer anunciar não tem pé nem cabeça. Quer dizer, até tem, mas não pra Classificados sérios! Fora o tamanho disso, vai custar todo esse seu dinheiro aí!
- E há coisa mais séria do que isso que eu procuro?!
Ele respirou fundo, fechou os olhos e tentou pensar no almoço de logo mais, para espairecer.
- Querida, as pessoas vêm aqui pra anunciar imóveis, carros, vagas de emprego, serviços domésticos, seja lá o que for. Mas, sabe, são coisas de verdade!
- Problema delas que focam em futilidades! O que eu procuro é muito mais "de verdade"!
- Ai, meu deus...
- Olha, o senhor pode não concordar com o que eu anuncio, mas e daí? Vou pagar, pronto. Se eu quiser anunciar a calcinha bege usada da minha vó falecida, o problema é meu, desde que eu pague!
- Até a calcinha bege da sua vó faria mais sentido, com todo o respeito...
Ela bufou.
- Ok, ok. Você venceu, mocinha. Mas não venha reclamar depois se as pessoas te acharem malucas. Ou se apenas gente maluca te contatar!
Ela sorriu, triunfante.
- Farei de graça. Só pela sua insistência, e também pela extensão do anúncio. Sairia muito caro, mocinha. Mas, como é um tanto poético, pode servir de publicidade.
Uma ligeira mentira. No fundo, aquilo o comoveu, porque o fez lembrar de coisas antigas que ainda estavam ali em sua vida.
- Muito obrigada, senhor. Pode ser que não dê certo, mas pelo menos eu tentei...
Deram um aperto de mão. O velho observou-a sair, ainda (ou mais) incrédulo.
No dia seguinte, entre um Corsa Sedan prata e uma empregada diarista, o seguinte anúncio constava nos Classificados:

"Procura-se alguém para conversar seriedades e bobagens, por horas. Alguém para ir ao cinema no sábado, ao show tão esperado, ao parque no dia ensolarado. Alguém para abraçar com ternura e beijar com intensidade. Alguém para discutir terrivelmente, fazer as pazes e fazer sexo. Alguém para me emprestar o casaco no frio, me esconder do vento, correr comigo na chuva. Alguém que me traga uma surpresa, ainda que não sejam flores ou grandes presentes. Alguém que goste das mesmas coisas que eu eu - ou que pelo menos deteste as mesmas. Alguém que se ofereça para comprar a cerveja, que segure as sacolas ou malas pesadas, que me acompanhe na volta, tarde da noite. Alguém que queira conhecer o mundo comigo ou que me faça conhecer um lado novo do que eu já vivo. Alguém que faça mais rir do que chorar. Alguém para sonhar comigo ou me trazer à realidade. Alguém que faça das coisas simples, como um café pela manhã ou uma partida de videogame de madrugada, algo incrível e inesquecível. E que não se importe com essa minha breguice, que alguns chamam de romantismo."

terça-feira, 13 de março de 2012

Olé

"- Não me conformo, quando penso que minha vida vai passando tão depressa e não vivo realmente.
- Ninguém vive com a intensidade que deseja, exceto os toureiros."

É, Hemingway... Eu até compraria uma capa vermelha, mas acho tourada uma coisa estúpida demais pra isso.
Talvez viver intensamente também seja.

quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

Uma pequena caixa

Existe uma caixinha, pequena e delicada, que passa a maior parte do tempo guardada. Praticamente escondida, a salvo da umidade, do calor e das pessoas, dentro de um cofre de combinação absurda e inimaginável.
Então, aparece alguém. Alguém diferente dos outros, que te deixa segura o suficiente para retirar a caixinha de seu lugar. Mesmo que aos poucos, por receio ou dúvida. Desse modo, você coloca o pacote no meio das coisas desse alguém, sem comentar. Porque não precisa - o mais importante é a mudança, notada por ambos.
O problema é que, em algum momento, essa pessoa talvez não queira mais sua caixinha ou só não goste mais de vê-la entre seus objetos, porque não combinam. E você voltará para casa com o embrulho na mão, todo amassado, destruído.
A partir daí, será preciso reformar a caixinha, deixá-la bonita e delicada novamente. É um pouco demorado e trabalhoso, mas possível.
Quando ela estiver pronta de novo, guarde e espere por outro alguém que a aceite. Repita o processo o quanto for necessário. Ou o quanto você aguentar e ainda acreditar na entrega dessa caixinha.

quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

Uma ilha

Uma ilha perdida no mundo, sem grandes atrativos visuais e turísticos; por isso mesmo, abandonada. E o abandono não fez dali um paraíso. Pelo contrário, transformou todo o lugar numa completa falta de vida.
Os dias eram sempre cinzentos, nublados, de uma garoa fina e persistente. Não fazia frio nem calor - era um clima indefinido, como se até para com isso a ilha demonstrasse descaso.
Por algum motivo desconhecido, não cresciam flores nem árvores, apenas um punhado de mato disforme aqui e ali, sem muita força para se espalhar. Os animais, raros, viviam escondidos, seja por sua feiúra ou por sua aversão ao que, infelizmente, era seu habitat.
Exceto pelo barulho do vento teimoso que ia e vinha em todas as direções, tudo era silencioso e inexpressivo por ali. Um lugar ao acaso, sem propósito, desanimador e um pouco cruel em sua indiferença para com a vida.
Nesse ambiente hostil, estava ela sentada num ponto qualquer da ilha, como todos ali o eram. Encolhida, como se quisesse criar um casulo protetor com seu próprio corpo. Porque era tudo o que tinha ali, depois e mais além. E, apesar da posição desconfortável, ela não sentia dor. Simplesmente não sentia nada.
Por vezes, pensou que o nada fosse o que chamam de paz. Mas notou que o nada era difícil, incômodo e desagradável. Jamais poderia, entretanto, descrever o nada. O nada era a ilha, ela, tudo o que conhecia e sentia. Ou simplesmente era a falta de todos os sentidos, coisas que já não mais a pertenciam.
Um dia, decidiu não pensar, até mesmo sobre o nada. E a ausência de tudo foi tornando-a pesada e inativa. Desde então, permanece encolhida. Quieta, ausente, rodeada pela falta de vida da ilha.

A ilha que alguns chamam de solidão.