quarta-feira, 28 de março de 2012

Uma das coisas que odeio na minha falta de memória é não conseguir recordar dos abraços do meu pai com tamanha intensidade a ponto de praticamente senti-los mais uma vez.

E, hoje, é um daqueles dias em que a saudade resolve ser grande.

segunda-feira, 19 de março de 2012

Classificados

O velho fitou a moça à sua frente, incrédulo.
- Você não pode anunciar isso, menina!
Ela ajeitou a bolsa no colo, incomodada. Detestava negativas autoritárias.
- Como não?!
- A senhorita está maluca ou acordou querendo fazer alguém de idiota? Pois saiba que meu tempo é dinheiro, menina! Toma essa droga de papel e saia da minha sala antes que eu me aborreça.
- Que absurdo, seu grosseiro! - dedo em riste, mas ainda sentada. Viera com uma intenção e não sairia de lá até conseguir o que queria.
- E a senhorita quer que eu fale como?
- Comece não usando esse "senhorita" cheio de ironia! Sou, antes de qualquer coisa, uma cliente. Não é assim que o senhor trata os seus clientes, espero.
- Meus clientes não trazem esse tipo de anúncio estúpido.
- Estúpido?! O que tem de estúpido nele?
O velho a fitou por um instante, com os olhos arregalados, o bigode ouriçado e as orelhas vermelhas. Então, percebendo que ela falava sério e perdendo a pouca fé que ainda tinha na humanidade, apoiou o cotovelo na mesa e a palma da mão no rosto, balançando a cabeça em negativa. "Por que diabos essas coisas acontecem comigo, santo deus?!", pensou.
Ergueu os olhos novamente em direção àquela mocinha que à primeira vista lhe parecera tão simpática.
- Olha, minha querida, entendi. Você tá falando sério e eu acho tudo isso muito bonitinho. Essa coisa de jovem e tudo mais. Mas veja bem, menina... O que eu faço é uma coisa séria e...
- Mas isso também é sério, caramba! O que foi? O senhor acha que eu não vou pagar? Eu vou, fique tranquilo! - e mostrou a carteira cheia de notas amassadas.
- Não é essa a questão. O problema é que isso que vc quer anunciar não tem pé nem cabeça. Quer dizer, até tem, mas não pra Classificados sérios! Fora o tamanho disso, vai custar todo esse seu dinheiro aí!
- E há coisa mais séria do que isso que eu procuro?!
Ele respirou fundo, fechou os olhos e tentou pensar no almoço de logo mais, para espairecer.
- Querida, as pessoas vêm aqui pra anunciar imóveis, carros, vagas de emprego, serviços domésticos, seja lá o que for. Mas, sabe, são coisas de verdade!
- Problema delas que focam em futilidades! O que eu procuro é muito mais "de verdade"!
- Ai, meu deus...
- Olha, o senhor pode não concordar com o que eu anuncio, mas e daí? Vou pagar, pronto. Se eu quiser anunciar a calcinha bege usada da minha vó falecida, o problema é meu, desde que eu pague!
- Até a calcinha bege da sua vó faria mais sentido, com todo o respeito...
Ela bufou.
- Ok, ok. Você venceu, mocinha. Mas não venha reclamar depois se as pessoas te acharem malucas. Ou se apenas gente maluca te contatar!
Ela sorriu, triunfante.
- Farei de graça. Só pela sua insistência, e também pela extensão do anúncio. Sairia muito caro, mocinha. Mas, como é um tanto poético, pode servir de publicidade.
Uma ligeira mentira. No fundo, aquilo o comoveu, porque o fez lembrar de coisas antigas que ainda estavam ali em sua vida.
- Muito obrigada, senhor. Pode ser que não dê certo, mas pelo menos eu tentei...
Deram um aperto de mão. O velho observou-a sair, ainda (ou mais) incrédulo.
No dia seguinte, entre um Corsa Sedan prata e uma empregada diarista, o seguinte anúncio constava nos Classificados:

"Procura-se alguém para conversar seriedades e bobagens, por horas. Alguém para ir ao cinema no sábado, ao show tão esperado, ao parque no dia ensolarado. Alguém para abraçar com ternura e beijar com intensidade. Alguém para discutir terrivelmente, fazer as pazes e fazer sexo. Alguém para me emprestar o casaco no frio, me esconder do vento, correr comigo na chuva. Alguém que me traga uma surpresa, ainda que não sejam flores ou grandes presentes. Alguém que goste das mesmas coisas que eu eu - ou que pelo menos deteste as mesmas. Alguém que se ofereça para comprar a cerveja, que segure as sacolas ou malas pesadas, que me acompanhe na volta, tarde da noite. Alguém que queira conhecer o mundo comigo ou que me faça conhecer um lado novo do que eu já vivo. Alguém que faça mais rir do que chorar. Alguém para sonhar comigo ou me trazer à realidade. Alguém que faça das coisas simples, como um café pela manhã ou uma partida de videogame de madrugada, algo incrível e inesquecível. E que não se importe com essa minha breguice, que alguns chamam de romantismo."

terça-feira, 13 de março de 2012

Olé

"- Não me conformo, quando penso que minha vida vai passando tão depressa e não vivo realmente.
- Ninguém vive com a intensidade que deseja, exceto os toureiros."

É, Hemingway... Eu até compraria uma capa vermelha, mas acho tourada uma coisa estúpida demais pra isso.
Talvez viver intensamente também seja.