sábado, 28 de abril de 2012

Na cama

Envolta em lençol e suor, ela sentia-se leve com o peso do outro corpo. Era como uma dança que, embora improvisada, parecia exaustivamente ensaiada. Um balé de mãos, bocas, braços e pernas, de movimentos ora suaves, ora deliciosamente bruscos, ou brutos.
Ela sentia arrepios, calafrios, tonturas, delírios - êxtase. Em cada uma das sensações, via-se perdida. Perdia-se do próprio corpo, ainda que sentisse cada terminação nervosa, ainda que apenas o vento suave do cômodo se transformasse em furacão ao tocar a sua pele. Perdia a compostura, a sanidade e a noção do tempo. E a vida lá fora perdia aquela mulher, que era agora tão e somente de um homem.

Deitada naquele lençol tão cheio de odores e fluidos, ela notou o quanto era infeliz, num misto de auto-piedade e comodismo. Porque ela já tinha tentado tanto, lutado tanto e acabara por cair na mediocridade da sobrevivência a todo custo. Quem há de julgar, ponderava, quando se tem o estômago e a mente vazios, de fome, abandono e tristeza?
Pensava em toda a sua vida e em todas as suas desgraças apenas para não lembrar onde estava. Ali, vendendo seu corpo, vendendo um falso prazer. Nos lapsos de realidade que surgiam, enojava-se com aqueles movimentos, que pareciam tão animalescos, e com aquele homem entorpecido, uma visão grotesca de um ser humano tomado por desejos incontroláveis.
A ponto de vomitar, fechava os olhos e tentava voltar à análise de seu infortúnio absoluto. Preferia chocar-se com a mediocridade de sua existência do que com a repugnância de sua prostituição.

Dois quartos, duas mulheres. E quantas outras existem por aí?

Um comentário:

Mauricio Lindoso disse...

Eu que pensava, que se tratava apenas mais uma história sem sentido escrita com o intuito de deixar os leitores confusos.

Impressionante, estou admirado e também orgulhoso.

Abraço