sábado, 30 de janeiro de 2010

Compras

Saia rosa de bolinhas pretas, regata branca, tênis encardido e um guarda-chuva verde-limão junto com a enorme bolsa entraram no mercadinho empurrando a porta de vidro. Ela olhou para o balcão, onde estava o velho barbudo, sempre de cara fechada para os clientes e vestido com o desbotado avental - já não tão - verde.
Suspirou. Havia apenas três corredores à frente, então pensou que provavelmente seria bem fácil achar o que precisava. Deu um passo e parou. Qual escolher? TPM maldita, sempre me deixa indecisa, pensou. Decidiu-se pelo corredor do meio e seguiu com mais uns dois passos.
A primeira coisa que avistou foi uma caixa branca, com três letras prateadas em relevo. Aproximou-se e pôde ver pássaros e nuvens desenhados na embalagem em linhas finas. Paz, não era disso que ela precisava.
Vidrinho cor-de-rosa com purpurina anunciando Amor. Um pó verde fluorescente num frasco minúsculo com uma mensagem de "frágil" logo abaixo à Esperança. Um líquido vermelho incandescente provocando os olhos, borbulhando até aquecer e exibir a palavra Tesão. Uma pasta cinzenta num tipo de balde tampado, gotas deslizando sobre a superfície da embalagem anunciando a Tristeza. Nada disso, entretanto, era seu foco.
Sem notar, já estava no fim do corredor. Olhou a alta prateleira que encontrava-se ali, mas os nomes não condiziam com sua procura: Insegurança, Medo, Ternura, Coragem... Nunca imaginou que tão pequeno estabelecimento concentrasse tamanha variedade de produtos.
Já disposta a ir embora, abaixou os olhos em sinal de derrota. Surpresas da vida, lá estava ele. Um cilindro preto, contendo em seu interior uma cápsula incolor. Lembrou-se da aula de Ciências de muitos anos atrás: "água - incolor, inodora e insípida". Mas aquilo não era como água, longe disso. Seu cheiro, fétido e incômodo. Seu gosto, amargo e insuportável.
Pegou-o com certeza e levou até o velho mal-humorado, que espantou-se com a compra. Confirmou o pedido, informou-lhe o preço e recebeu o dinheiro. Ele ainda olhava com surpresa quando a saia rosa de bolinhas pretas, regata branca, tênis encardido e um guarda-chuva verde-limão junto com a enorme bolsa foram embora.
Na rua, ela andou até o parque, o lugar perfeito. Tirou o cilindro do embrulho, abriu-o e, sem hesitar, levou a cápsula até a boca e engoliu. Em segundos, a tampa com a inscrição Morte caía no chão.